16.11.10

O que ficou pra mim do filme do Senna

Hoje eu vi o filme do Senna, que está passando nos cinemas e saí da sala arrasada. Mas engana-se que eu solucei ( de passar vergonha ) somente pelo filme. Aqueles soluços e as lagrimas que insistiam em cair sem a minha permissão eram por algo maior. É claro, obvio que ver o filme, ver o puta cara que o Senna foi e como ele morreu estupidamente contribuíram. Ele foi e sempre será um ídolo pra todos nós.

Mas o meu choro tinha algo guardado, um saudosismo que dói. Era um choro que vinha do sentimento de que minha infância se foi, há muito tempo e que as lembranças que tenho dela, cada vez mais vão diminuindo, por mais que eu tenha prometido pra mim mesma que iria lembrar de tudo, sempre, agora vejo que não está dando muito certo. Meu cérebro ta me boicotando.

Os fatos que eu lembro são muito importantes e alguns deles estão completamente ligados ao Ayrton Senna.
Como todos sabem, nasci em 1985 e na minha infância, tirando os desenhos, não haviam grandes ídolos a serem espelhados, mas havia ele. Meu pai, sempre foi fã de formula 1, daqueles que acordam de madrugada pra ver as corridas, não importa o horário. E eu não sei quando ou como, eu passei a o acompanhar nessa jornada.
Era sempre a mesma coisa, ele me acordava sob protestos da minha mãe e eu ia feliz, ouvindo: “A corrida já vai começar.”.

Saía da cama sentindo um cheirinho de café e misto-quente. Mas não um misto-quente qualquer: era o misto-quente do meu pai. Perfeitamente cortado ao meio, em forma de triangulo ( se ele cortasse de outro jeito, o sabor mudava, juro) , metade pra mim, metade pra ele. Feito naquelas misteiras antigas, que você precisava pressionar pra ela funcionar. O queijo perfeitamente derretido e o presunto na medida certa. E o café? Muito doce. Minha mãe chamava de água de batata... e eu, com 5 anos, tomando café preto de madrugada, com o aval do meu pai. Não tinha coisa melhor.

E sentada no sofá da salinha pequena do meu antigo apartamento, de porta fechada, pra minha mãe nem meu irmão mais novo acordar, eu não sabia, mas, sei hoje, que o relacionamento perfeito de carinho e amor que eu tenho com meu pai e os papos intermináveis sobre esporte que nós temos, até os dias de hoje, foi construído ali, nesses momentos de companheirismo, vividos de 15 em 15 domingos. E eu via a corrida toda. E ficava feliz porque o Ayrton Senna sempre ganhava. E meu pai ia dormir depois satisfeito e é a ultima coisa que eu lembro de quase todas as manhãs de domingo...

Esse ritual se repetiu até 1994. Eu lembro bem quando acabou. Eu não estava em casa comendo o misto do meu pai e muito menos tomando café. Estava na casa da minha avó, almoçando num domingo qualquer. Veio a batida, corri pro quarto do meu avô e comecei a rezar. Eu nem lembro se sabia rezar, mas rezei. Chorava muito, meu pai foi me consolar e foi a última coisa que eu lembro. Não lembro como recebi a noticia da morte, nem muito menos de ter tido outro domingo de corrida + misto + café com meu pai. Ele, por sua vez, ficou uns bons 5 anos sem assistir corridas, disso eu me lembro.

Eu tinha 8, quase 9 anos e tenho certeza absoluta que minha infância deu um passo importante pra rumar a seu fim ali ( gente, não to dizendo que minha infância acabou ali, não sou tão dramática, mas rumou, sabe? ). Em 1994 foi o primeiro ano que viajei sozinha ( mesmo que fosse pra BH) pra passar as férias de julho com a minha tia. Vi o Brasil sendo tetra na casa dela, longe da família, já com um sentimento de que minha independência estava por vir. Sai as ruas de BH, comemorei, tudo longe de casa, sem me importar muito com isso.

Minhas lembranças a partir daí dão um salto e eu só lembro de coisas envolvendo meninos, paquerinha, aula de inglês e bla bla bla, coisas que não pertencem mais a infância ( ou não deveriam pertencer, mas hoje ta tudo muito misturado) .
Coisas que não cabem mais em um sofá, acompanhado de misto quente, café e colo do pai. Por mais que ele me trate ainda como uma menina de 10 anos, nós dois sabemos que no dia primeiro de maio de 1994, algo mudou. A misteira ficou um bom tempo sem ser usada pra fazer o triangulo mais gostoso do mundo e eu rumei a minha direção pra outro canto, me preparando pra fazer sozinha os meus mistos, os meus cafés, pro meu pai, pra minha família ou quem quer que seja.


Passar bem. =)